Depois do escândalo da Cambridge Analytica,  envolvendo a manipulação de dados que poderiam ter influenciado campanhas eleitorais como a de Trump no EUA e na votação do Brexit, na Grã-Bretanha,  a imprensa anuncia a venda de dados de nossos cartões de créditos em uma ação “secreta”coordenada pelo Google e pela operadora de cartões de crédito Mastercard. De acordo com a matéria publicada pela gigante de notícias Bloomberg, o acordo que rastreia dados de compras dos usuários dos cartões mastercard não era de conhecimento de seus milhões de usuários, que também desconhecem as implicações dessa trama a la George Orwell.

Mas você sabe o que significa essa “googlelização” de tudo?

O pesquisador de mídias e professor de direito digital na universidade de Virgínia, nos EUA, Siva Vaidhyanathan, atribui o termo Googlization à forma como o Google tem permeado nossa cultura. De acordo com ele, a mega corporação (qualquer semelhança com as fictícias Umbrella e Skynet é mera coinscidência?) que começou como uma ferramenta de busca e pesquisa digital, disponibiliza uma quantidade inimaginável de arquivos e informações a um simples toque de nossos dedos.

Na perspectiva do autor do livro  A Googlelização de tudo (e por que devemos nos preocupar), esse fenômeno afeta 3 áreas relacionadas à conduta humana: “nós”a partir dos efeitos do Google sobre nossas informações pessoais, hábitos, opiniões e julgamentos; “o mundo”, por meio da globalização de uma estranha forma de vigilância e ao que ele chama de imperialismo estrutural; e o “conhecimento”, a partir de seus efeitos no uso de uma grande quantidade acumulada de conhecimento por meio de livros, bases de dados online e da rede.

Para equalizar e entender este fenômeno é preciso que pensemos de forma crítica, deixando de lado nossa fé quase que religiosa no Google e em sua benevolência corporativa e adotar um olhar mais cético. Uma forma de começar a perceber que não somos os clientes do Google, é entendendo o que somos realmente: seus produtos.

Psicólogos da Universidade da Califórnia em Berkeley publicaram um estudo explicando que a técnica de busca do Google já consegue emular a forma que o cérebro humano relembra de determinada informação, seu processo de busca interno. Os investimentos em espaços dedicados à pesquisa no mundo todo permitem que a empresa seja uma das maiores detentoras de conhecimento sobre inteligência artificial do mundo, colocando seus experimentos em patamares que fazem ficções científicas como o fime Ex-Machina e a série Black Mirror parecerem muito mais reais do que sonha nossa vã filosofia.

Quando publicamos imagens, comentários ou conversamos por meio de aplicativos como o Whatsapp, estamos alimentando esse enorme banco de dados que, entre outras coisas, fornece material para aumentar a complexidade das respostas dos programas de inteligência artificial. A forma como isso acontece é explorada no filme Ex-Machina, de Alex Garland, ganhador do Oscar de Melhores efeitos especiais em 2016. Logo no início do filme, o programador Caleb Smith (Domhnall Gleeson) é convidado a participar de um experimento envolvendo um androide desenvolvido por uma grande corporação que detém o monopólio da tecnologia digital mundial. Embora a empresa tenha um nome fictício, as semelhanças com aspectos atuais nos deixam em dúvida se todo o filme é uma ficção ou se está mais próximo da realidade do que gostaríamos de acreditar.

Ao que tudo indica, o ator Domhnall Gleeson gostou tanto do tema que é um dos protagonistas do 1º episódio da segunda temporada de Black MirrorVolto já (Be right Back). Neste episódio, somos apresentados a um serviço que é capaz de coletar todas as nossas informações disponíveis na rede para criar um programa que simula nossas ações por meio de e-mails, interações telefônicas e outras formas meio assustadoras que nos remetem ao clássico Pet Cemetary, de Stephen King: os mortos nunca voltam como eram (medo!)

Siva Vaidhyanathan diz que o Google não é mau, mas não é moralmente bom também. Nem tampouco neutro – bem longe disso. O Google não nos faz mais espertos. Nem nos deixa mais burros, como pelo menos alguns escritores acreditam. É uma empresa com fins lucrativos que nos oferece uma série de ferramentas que podemos usar de forma inteligente ou não.

No entanto, a própria série Black Mirror nos alerta sobre nossa relação nociva de dependência digital em episódios como o tão comentado Queda Livre (Nosedive – 3ª temporada). Em um futuro não tão distante, nosso acesso a bens e serviços é condicionado à nossa popularidade nas redes sociais, medida a partir das curtidas em forma de estrelas, em um aplicativo onde toda a população mundial está conectada.

Por mais distante que a ficção possa parecer, a National Academy of Science, dos Estados Unidos, realizou um experimento com o Facebook e concluiu que nós somos emocionalmente contagiados e tomamos decisões baseados em nosso feed nas redes sociais. Ou seja, com mais de um bilhão de usuários conectados às redes sociais, é possível concluir que a mediação digital influencia não só as pessoas que estão online, mas as relações sociais de uma maneira geral, pois seu alcance é inimaginável.

Longe de esgotar o assunto, não pretendo deixar ninguém paranóico, mas convido à reflexão sobre nossa relação com as mídias e com a internet de forma que possamos tirar maior proveito delas. Como o pesquisador Siva disse, a internet em si não é boa ou ruim, mas o uso que fazemos dela pode ser extremamente nocivo se não fizermos isso de forma crítica. Portanto, em vez de um futuro distópico de filmes como Os SubstitutosO exterminador do FuturoRobocopMatrix, 1984 e tantos outros, quem sabe a tecnologia não possa nos garantir um futuro onde a morte não seja tão assustadora porque poderemos nos encontrar em San Junipero (3 ª temporada de Black Mirror), não é mesmo?

Ficou interessada no assunto? Então confira o livro que traz os artigos apresentados no seminário de compartilhamento e sigilo realizado em 2016. O livro conta com um artigo meu sobre a ação de grupos exclusivos do Facebook, como o do Minas Nerds:

http://www.obcom-usp.com.br/anais/index.html#ebook