Filme dirigido por Oliver Stone, Snowden estreou em 2016 e conta com um elenco de ponta: Nicolas Cage, Joseph Gordon-Lewitt (Snowden), Shailene Woodley (da série Divergente), Zachary Quinto (Star Trek) e vários outros nomes tão conhecidos quanto os que acabei de citar.

Baseado no livro The Snowden Files, de Luke Harding, a história de um dos homens mais visados do mundo também foi contada em um documentário dirigido por Laura Poitras e, todas as versões, embora lembrem muito thrillers sobre espionagem, tratam de fatos que são mais reais do que sonha nossa vã filosofia.

Snowden ficou conhecido por roubar e divulgar projetos e informações da NSA – Agência de Segurança Nacional Americana e, a julgar pelo conteúdo desses arquivos, o mundo deveria no mínimo estar em polvorosa. Porém, como estamos falando de crimes contra a privacidade cometidos pelo país mais poderoso do mundo, então fazemos filmes.

Em um clima tenso, acompanhamos toda trajetória de Snowden, desde a sua admissão na serviço secreto americano até os dias de hoje, em que ele vive em asilo político na Rússia. Grande parte da película é narrada em flashbacks, a partir de seus depoimentos à cinegrafista Laura Poitras e aos jornalistas Glenn Greenwald e Ewen McAskill, ambos do jornal britânico The Guardian. Estes encontros foram realizados em um hotel em Hong Kong, a pedido do próprio Snowden, que, temendo pela própra vida, resolveu compartilhar seus arquivos com pessoas que julgava confiáveis o suficiente para que sua integridade não fosse ameaçada.

Mas o que levou alguém com um emprego tão bom e bem remunerado a querer jogar tudo pro alto e correr risco de ser preso ou assassinado?

Snowden cometeu crime de alta traição e pelo que sabemos dos filmes conspiracionistas, a essa altura ele já estaria morto, se não fossem as medidas que ele tomou para garantir que suas informações fossem espalhadas pelo mundo, de forma que sua morte seria no mínimo suspeita. Ainda assim, ele colocou a própria vida em jogo para garantir que o mundo soubesse que a NSA não só tem acesso a TODOS os aparelhos eletrônicos que são conectados via internet do mundo, como também teria implantado dispositivos em sistemas de segurança de diversos países, incluindo o Brasil, que são capazes de criar um blackout energético sem precedentes, caso os EUA se sintam ameaçados de alguma forma.

O principal programa de vigilância desenvolvido por Snowden  é capaz de arquivar dados de conversas de Whatsapp, Messenger, Skype, telefones, de acordo com palavras chaves determinadas pela própria NSA. Tais dados compõem um sistema de tamanho imensurável e cujo backup é constante, mesmo que toda a energia dos EUA seja desligada. Ou seja, basicamente, os EUA vêm coletando informações privadas de todo mundo a partir de critérios que eles julgam necessários e caso alguma dessas informações seja entendida como ameça, então eles simplesmente ativam seus dispositivos e geram um blackout em algum país.

No entanto, o conflito interno de Snowden fica mais acentuado quando ele se dá conta que esses critérios podem ser determinados por pessoas que não têm o devido preparo ou patente para realizar essas buscas. O filme dá a entender que funcionários com posições equivalentes a de estagiários poderiam simplesmente ativar uma câmera de notebook remotamente e invadir a privacidade de qualquer pessoa, QUALQUER PESSOA MESMO!

Mas se você já estava ficando paranóico de pensar que está sendo vigiado agora mesmo, o que não é impossível, como se sentiria ao entrar em uma sala e se deparar com pessoas encontrando alvos via satélite, pelo sinal do celular, e enviando a suas localizações aos pilotos dos caças americanos em zonas de conflito? Imagine que em a cada tiro que você dá em um jogo de vídeo-game, uma pessoa é assassinada. Muito Black Mirror? Pois é essa a sensação que temos em uma cena que Snowden pergunta a um dos colegas como ele sabe que o alvo em questão é de fato um alvo, logo depois de assistir um homem sendo explodido em um monitor de TV e a resposta é: “não sabemos”.

Várias cenas deixam bem claro como a informação é produto mais valioso de nossa era e que os investimentos dos EUA em tecnologia bélica fazem qualquer país parecer muito amador quando o assunto é espionagem e guerra. Por isso, ainda que pareça haver um certo exagero na representação de Snowden como um grande herói, ele realmente arriscou sua vida para conseguir mostrar ao mundo que estamos em guerra, mas uma guerra silenciosa.

E se tudo isso lembra mesmo uma ficção, uma distopia, a verdade é que a realidade é bem mais complexa e grave do que qualquer ficção que conhecemos, como por exemplo o que ocorre em Capitão América e o Soldado Invernal. Se você não havia atentado para o conteúdo extremamente ideológico que critica justamente o controle que os EUA exercem sobre a política global e sobre nossa privacidade, bom, talvez seja a hora de assisti-lo novamente.

“Isso não é liberdade. É medo.”

Um dos filmes de maior crítica social e política do universo de super-heróis, Capitão América e o Soldado Invernal não é uma história sobre amizade. Aliás, bem longe disso. Se trata de uma história muito atual, infelizmente, de como um grupo extremamente poderoso e cujos ideais nazistas visam eliminar uma parcela da população sob o argumento de que um genocídio poderia colocar o mundo de volta nos eixos, já que só sobrariam as “pessoas de bem”. Parece familiar?

Então, não é assustador que um pequeno grupo de pessoas que se julgam superiores ao resto do mundo acredite que suas ações são nobres e que justificariam o extermínio de milhões de cidadãos, sem que estes tenham cometido qualquer crime? Mas veja, estes cidadãos em algum momento se expressaram com palavras que foram interpretadas pelo algorítmo do sistema de vigilância- sim, Big Brother da distopia 1984!- como ameaçadores, tal qual ocorre com o sistema desenvolvido por Snowden e que hoje é usado pela NSA.

Ou seja, em um dado momento do filme, entendemos que o sistema só existe porque concordamos com ele, clicamos em “sim, aceito tais configurações desse aplicativo” e entregamos nossa privacidade em nome de uma segurança ilusória, que em vez de nos proteger, nos encarcera ainda mais.  Em Capitão América, aceitamos abrir mão do nosso direito à privacidade em nome do medo que sentimos de sermos atacados, quando aqueles que deveriam nos proteger, são os grandes vilões.

Essa mesma questão já havia sido tratada em Minority Report, mas no lugar do sistema, que provavelmente estava em fase de desenvolvimento, há os precogs, pessoas com habilidades precognitivas que os permitem “enxergar” o futuro antes que ele se realize, evitando crimes e levando pessoas à prisão antes que tenham a consciência de que cometeriam um.

Portanto, estamos lidando com um sistema que tenta prever a possibilidade de determinadas pessoas agirem de forma terrorista, baseado em conversas e interações online. As perguntas que ficam são: ele é 100% eficaz? Se é, porque não conseguiu prever os últimos ataques na Europa, já que ele filtra informações do mundo todo? A inteligência artificial seria capaz de agir de forma totalmete imparcial? As pessoas por trás dos monitores da NSA são capazes de agir de forma imparcial? Já sabemos as respostas, então, qual seria nossa alternativa diante de fatos tão assustadores?

Quando dizemos que a ficção tem entre suas funções nos fornecer elementos para lidar com a realidade, é exatamente disso que estamos falando. Ideologias, mensagens subliminares, críticas, avisos… A ficção vem tentando nos alertar de uma série de coisas que muitas vezes preferimos ignorar em nome do entretenimento, esquecendo que para se entreter, você não precisa abrir mão da crítica ou da razão. Podemos nos entreter e aprender algo, por que não? O recado está sendo dado. Você pode escolher ouvir ou pode fingir que nada está acontecendo, pode escolher a pílula azul ou a vermelha, Neo. E aí? Qual será sua escolha?